O Catador de Latinhas. A Copa do Mundo. E o meu Coelhão.

No centro de  Belo Horizonte, cidade onde moro, há um tradicional café, onde desde 1938, fala-se de futebol, política, coisas da vida e deixa-se a vida passar, assim, de largo, como uma boa prosa mineira.

Dizem por ai que mineiro é 90% ferro e o restante, pão de queijo e café. Acho que foi Carlos Drummond de Andrade que falou algo bem parecido, e a gente no nosso "mineirês", foi agregando estas iguarias tão nossas. Mas, prosa de mineiro ou não, o fato é que não há café nesta cidade, ou buteco que se respeite, que não se encontre gente a conversar sobre a vida e ... futebol. 

Gosto de ir em um mercado que fica em um bairro na região nordeste de Belo Horizonte, geralmente vou aos sábados pela manhã; aproveito para conferir os preços dos vinhos, conversar com as pessoas... Compartilhar num coffee break matinal os papos de bola. E assim, numa prosa boa regada a um cafezinho feito na hora e um pão de queijo quentinho, as horas passam e as amizades vão se eternizando.

Numa dessas manhãs encontrei um senhorzinho, na entrada deste mercado, corpo franzino, deve ter em torno de seus 60 anos, talvez um pouco menos, caminhando alegremente e apresadamente, trazendo consigo um enorme saco plástico recheado de latinhas. Como muitos catadores de resíduos reciclados na cidade, poderia ser ele mais um, se não fosse por sua roupa simples, porém limpíssima, nas mãos usava luvas, e um E.N.O.R.M.E sorriso ao desejar bom dia!

Não resisti e puxei uma prosa com ele (o que aliás, não é nada menos óbvio, por se tratar de uma ariana metida a contadora de histórias que sou) soube que ele criou filhos e netos assim, catando latinhas. Mora em uma casa modesta, porém sua, e agora, pasmem, já está juntando dinheiro para os ingressos da Copa do Mundo. Pretende levar toda a família e não importa para qual jogo, pois sabe que nunca terá outra oportunidade como esta em toda a sua vida, e entre tantas dificuldades, talvez seja esta a única alegria que possa oferecer aos seus.

Fiquei pensando: Se os ingressos populares custarem uma média de R$50,00 a R$60,00; para uma familia de 6 pessoas, ficaria numa média de R$300,00 a R$360,00... E isso é muito dinheiro para quem cata latinhas!

Fiquei pensando: Nas inúmeras pessoas que vivem de maneira modesta e que fazem todos os dias algum tipo de  sacrifício em prol de um sonho.

Fiquei pensando: No meu Coelhão e nas inúmeras vezes que eu vi o Euller na fila do Independência a distribuir ingressos para a torcida, comprados com o seu dinheiro, para contribuir com a história do nosso clube.

Fiquei pensando: No trabalho que vem sendo desenvolvido na base de nosso time, lá na escolinha, onde os garotos aprendem que muito mais que ser um bom profissional, tem que ser um cidadão, um homem de bem.

Talvez, sejamos o primo pobre entre os "grandes" clubes mineiros. Não temos jogadores com pagamentos milionários, não temos uma torcida gigantesca, não contamos com as benesses das mídias e não raro somos  agraciados com erros de arbitragem. Talvez, sejamos os catadores de latinhas que tem o compromisso com o futuro. E o nosso futuro é o agora, é contribuir com a história do nosso time e  oferecer latinhas de compromisso, respeito e gratidão ao empenho dos jogadores e comando.

Na copa do mundo, este senhor (que ainda costumo vê-lo sempre correndo pela Av. Cristiano Machado, com sua sacola repleta de latinhas) é o meu maior exemplo de luta pelos seus sonhos, de foco em seus objetivos e de ir ao encontro da felicidade, com toda dignidade deste mundo.

Agora a cada sábado, quando eu vou ao mercado, sinto que a vida não corre tão frouxa assim, tão mineirinha assim. Percebi que a vida urge e o foco nem sempre é no agora, afinal o amanhã pode estar bem mais perto que imaginamos... E nisso, aquele senhorzinho é campeão e o meu Coelhão é Deca!

Até a Próxima pessoal.

Deus Salve o América.

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